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Churrasco: o ritual pré-histórico que ainda nos reúne em torno da fogueira

Entenda por que a força primitiva do fogo de um braseiro nunca vai encontrar concorrente à altura no arsenal tecnológico da culinária moderna.

A espécie humana já foi capaz de pousar em um cometa, mas ainda não conseguiu inventar nada melhor do que o churrasco. Entenda por que a força primitiva − e de certa forma incontrolável − do fogo de um braseiro nunca vai encontrar concorrente à altura no arsenal tecnológico da culinária moderna.

Nada se compara ao churrasco. Não que faltem cardápios alternativos: a humanidade adora brincar com fogo e, assim que o domesticou, pôs-se a inventar jeitos de usá-lo para modificar a comida. Ferveu, fritou, assou e defumou; cozinhou no vapor, no forno combinado e nas micro-ondas; transformou o alimento em purê, em molho, em bolo e em torta; inventou a culinária clássica francesa, a nouvelle cuisine e a tal gastronomia molecular − corrente pirotécnica que se vale de produtos químicos de laboratório e de aparatos hi-tech para transformar oo alimento. Mas, na hora do vamos ver, o que fala mais alto ao estômago é uma técnica culinária anterior ao surgimento do Homo sapiens.Para alegrar um humano faminto, bastam um braseiro e um bom naco de carne − no caso dos vegetarianos, cogumelos graúdos, cebolas e pimentões tostados à perfeição devem funcionar.

Há dois motivos para que nunca tenhamos conseguido criar algo tão bom quanto o churrasco. O primeiro diz respeito a uma limitação intransponível. O calor da brasa produz transformações químicas e físicas únicas − delas resultam os deliciosos sabores e texturas característicos do churrasco − , que nenhum equipamento moderno de cozinha é capaz de replicar. O segundo motivo é justamente o fato de ele ser tão antigo. O sabor da comida na brasa está entranhado na psique coletiva desde que, mais de 2 milhões de anos atrás, o Homo erectus percebeu que o fogo servia para algo além de iluminar, aquecer e espantar as feras.

Em qualquer lugar do mundo, um forasteiro sabe que é bem-vindo quando alguém lhe convida para um churrasco. O programa pode incluir asado de cordeiro acompanhado de vinho malbec na Argentina, barbecue com hambúrgueres e cerveja em lata nos Estados Unidos ou tripas de javali-africano, sem sal nem limpeza adequada, feitas diretamente no fogo pelos povos bosquímanos da Namíbia. O ritual do churrasco varia em sofisticação, mas a simbologia ancestral permanece a mesma. É o momento em que a tribo se reúne em volta da fogueira para compartilhar a comida e celebrar a união do grupo. É a ocasião em que o cacique se embriaga, o pajé fala mais do que deveria e os guerreiros baixam a guarda. É a festa em que a casa fica vulnerável, aberta e exposta aos convidados.

Isso quando existe uma casa, é evidente. Porque o churrasco precede a construção civil − esta se desenvolveu já na era neolítica, com a invenção do forno, cuja função primordial era secar a argila para a fabricação de tijolos. Precede também a criação de ferramentas sofisticadas. Em tempos primitivos, a churrasqueira não passava de um buraco no chão ou uma pilha de pedras; em nome do churrasco, o homem urbano regride a esse troglodita sempre que a natureza o chama. Na falta de uma bela parrilla de alvenaria, vale qualquer tipo de gambiarra: tijolos, rodas de caminhão, barris metálicos, cocos vazios encontrados na praia. Todas funcionam quando entregues às mãos de um bom churrasqueiro. E um churrasqueiro só é bom quando consegue fazer uma boa brasa, mora?

ABRASANTE E RADIANTE

A fonte de calor é quase tudo para o churrasco. A quantidade brutal de energia emitida por um braseiro é aquilo que os aparatos modernos não conseguem imitar. É ela que distingue o churrasco da carne cozida, da carne assada e do bife feito na frigideira ou na grelha a gás. Para entender como isso funciona, é necessário retomar algumas noções de física que você já deve ter visto em aula (calma: será rápido e indolor).

O calor se propaga de três formas. Na convecção, ele depende de meios líquidos ou gasosos (em termos culinários, água, óleo e ar); na condução, de um meio sólido (panelas, frigideiras e chapas metálicas). Os meios propagadores sempre roubam uma parcela da energia. Esse “pedágio” varia bastante: a água ferve a 100 ºC e não passa disso, o óleo atinge o dobro dessa temperatura, e o fundo de uma frigideira de ferro chega ao quíntuplo ou mais.

Grelhar na chapa ou frigideira – Neste método, a transmissão de energia é feita pelo contato do alimento com o metal. A temperatura vai depender muito da fonte de calor (gás, indução ou fogo de madeira) e da frigideira ou chapa (material e espessura da superfície aquecida). Colocada diretamente sobre brasas, uma frigideira de ferro fundido atinge mais de 800 ºC; materiais antiaderentes não não devem ser aquecidos acima de 260 ºC.

A terceira forma de transferência de calor dispensa intermediários “ladrões”: é a radiação, que atua no churrasco, com temperaturas de três dígitos. Nela, a energia liberada pela combustão chega diretamente ao destino − seja ele uma picanha ou uma berinjela − na forma de ondas luminosas infravermelhas. E nada que você possa ter em uma cozinha irradia tanto calor quanto uma brasa. O fogo é só um meio de se obtê-la. Atingido esse fim, ele se torna indesejável, pois pode se alastrar para a comida, transformando-a em combustível − e obrigando o dono da festa a pedir pizzas para os convidados. Por isso, paciência é crucial. O nível máximo de radiação é alcançado no ponto em que as chamas já morreram, quando o centro das brasas emite luz alaranjada.

O problema para as populações urbanas é que o fim (a brasa) não somente justifica o meio (o fogo), mas depende totalmente dele. Fazer fogueiras dentro de casa não costuma ser uma boa ideia: você precisa de uma chaminé para dar vazão à fumaça e um ótimo isolamento para evitar incêndios, além de disposição para limpar as cinzas e a fuligem. Instalar uma churrasqueira indoor é muito caro. Ou é muito trabalhoso – quando não é uma impossibilidade arquitetônica. Assim, a indústria investe em substitutos para a churrasqueira a carvão, em aparelhos que possam ficar ao lado do fogão em uma cozinha de apartamento. O principal desses produtos alternativos é a grelha a gás.

Cozinhar em água fervente – Como a água ferve a 100 ºC e se mantém nessa temperatura, este método nunca vai criar as reações químicas necessárias para caramelizar e tostar. Ainda assim, manter o fogo alto acelera o cozimento: com o aumento da turbulência da água fervente, cresce também a eficiência da transferência de calor.

No manual de instruções da engenhoca, tudo parece uma maravilha. A chama de gás natural queima a cerca de 1.900 ºC, enquanto o carvão incandescente não ultrapassa os 1.100 ºC. Só que temperatura não importa tanto aqui. “O gás queima de forma limpa em chamas que emitem uma luz etérea. Embora a temperatura dentro dessas chamas azuis seja bastante alta, elas realmente irradiam muito pouca energia”, escreve o americano Nathan Myhrvold, coordenador de Modernist Cuisine (“A Cozinha Modernista”, disponível somente em inglês) − um projeto enciclopédico com cinco volumes que busca explicar e ensinar dde forma científica todos os processos envolvidos no ato de cozinhar.

A solução encontrada pelos fabricantes foi incluir, entre os bicos queimadores e a grelha, uma camada de pedras vulcânicas − estaestas, sim, irradiam um bocado de calor quando aquecidas. “Pense nisto: quando foi a última vez que você viu as pedras de uma grelha a gás brilhando como brasas de carvão?”, , pergunta Nathan Myhrvold. A resposta certa é “nunca”, já que as tais rochas emitem pouca luz e irradiam menos de metade da radiação de uma brasa. Cozinhe com gás e você pode ter um bom grelhado; nunca, porém, um churrasco de verdade.

Cozinhar sob pressão – As panelas de pressão têm uma vedação na tampa, o que impede a saída do vapor resultante do aquecimento da água. A pressão no interior da panela se eleva, o que aumenta o ponto de ebulição da água. Assim, ela permanece em estado líquido a temperaturas de até 121 ºC, dependendo do modelo, e cozinha o alimento mais rapidamente.

A QUÍMICA DO SABOR

Salgado, tostado − às vezes pendendo para o queimado, mas sem amargor −, com um tantinho de fumaça, algo que pende para o doce e uma coisa muito especial, mas que dá um nó nas conexões cerebrais encarregadas de traduzir percepção sensorial em palavras. Assim é o sabor do churrasco perfeito.

A coisa difícil de descrever é o umami, uma sensação muito doida descoberta pelos japoneses, que bateram na mesma tecla por quase um século até que a comunidade científica ocidental aceitasse sua existência. Hoje, ele é reconhecido como um dos cinco gostos básicos, ao lado do doce, do amargo, do salgado e do azedo.

Não foi à toa que o umami − “gosto delicioso” − tenha sido catalogado pelos japoneses.Ele está na alga kombu, que condimenta os caldos básicos da culinária nipônica.Está no katsuobushi, o peixe seco que, ralado em flocos finíssimos, dá sabor a uma série de pratos. Está no shoyu. É a essência do glutamato monossódico, tipo de sal largamente utilizado na culinária asiática − Aji-no-moto é seu nome comercial mais famoso. Mas também aparece em várias outras comidas ricas em proteínas, como o queijo parmesão e o jamón ibérico. E, claro, a carne.

Cozinhar a vapor – O alimento é mantido em um cesto sobre água fervente − mas sem encostar no líquido. O que o cozinha é a coluna de vapor que sobe e passa pela comida antes de sair pela panela. Técnica adequada para preparar cenoura e outros legumes ricos em açúcares, sais, vitaminas e pigmentos solúveis em água − e que seriam perdidos caso o legume fosse fervido.

Além do umami, entram em cena no churrasco uma série de compostos químicos produzidos quando a carne é posta sobre a grelha quente.

Parte dessas substâncias surge com a chamada reação de Maillard: ela ocorre a temperaturas acima de 140 ºC em alimentos ricos em aminoácidos (componentes das proteínas) e açúcares. Submetidas ao calor e em condições de baixa umidade, essas moléculas reagem entre si para formar numerosos compostos aromáticos e de cor. É essa reação que forma a crosta dourada de uma maminha na brasa. Ou então a casquinha crocante do pão. Ou ainda o sabor intenso e adocicado das cebolas caramelizadas. Alimentos fervidos não passam por essa transformação pelo simples motivo de que a temperatura de ebulição da água − 100 ºC ao nível do mar − não basta para detoná-la.

Se você fizer um bife numa frigideira de ferro bem aquecida, só um vacilo vai impedir que ele fique belo, dourado e saboroso por causa da reação de Maillard. Mas existe algo que só a churrasqueira é capaz de fazer com a carne. O segredo está na fumaça. Como diz Modernist Cuisine: “Um suco carregado de açúcares naturais, proteína e óleos goteja da carne sobre a brasa. Ao catalisar uma miríade de reações químicas, o calor intenso forja esses sucos carbonizados nas moléculas que contêm os aromas da comida grelhada. Essas novas moléculas literalmente viram fumaça e sobem, revestindo o alimento com o inconfundível sabor de churrasco.”

Ocorre que essas reações químicas fabulosas valem muito pouco se você tiver um bife queimado ou uma costela dura feito pedra. Para se aproximar do churrasco perfeito, duas coisinhas são fundamentais: a qualidade da comida que será posta sobre a grelha e a habilidade para pilotar a churrasqueira.

AS MELHORES CARNES

Queijo coalho, abobrinha, sardinha, frango, shiitake, camarão, lula, palmito… a lista das coisas que podem ser preparadas na grelha não tem fim. Dito isto, é inegável que a carne bovina desempenha o protagonismo em um churrasco clássico. É dela que vamos falar agora − se você não come, pode pular os próximos parágrafos.

Para ser preparada na churrasqueira, uma peça de carne precisa de alguma maciez. Isso porque a grelha é um método de cocção que atua em altíssimas temperaturas, extraindo velozmente a umidade da comida. Qualquer tentativa de fazer churrasco com carne dura resultará em algo parecido com uma pedra ou um toco de carvão. Para romper suas fibras musculares e derreter o colágeno − que vem na forma de tendões e de outros tecidos conjuntivos −, é necessário cozinhar lentamente, em calor brando e com muito líquido. Ou picar tudo muito bem picadinho. Saborosos, cortes como o acém e a paleta são ótimos para cozidos e hambúrgueres. Mas o churrasco exige carnes que fiquem prontas rapidamente, tenras e ainda suculentas.

Fritar por imersão – O óleo aquecido entre 150 ºC e 200 ºC − mais frio, ele encharca o alimento; mais quente, ele queima − cria uma crosta de carboidratos caramelizados na superfície da comida. No seu interior, a água se expande e sai na forma de vapor (as bolhas que você vê na fritura). O vapor cozinha o alimento e cria uma zona de alta pressão que impede a entrada da gordura.

Carnes macias são mais apreciadas, portanto mais caras, portanto a indústria trabalha muito duro (ops!) para que elas sejam também mais abundantes. “Um objetivo essencial da ciência da carne é descobrir como produzir a carne mais macia”,escreve o antropólogo britânico Richard Wrangham no livro Pegando Fogo: Por Que Cozinhar nos Tornou Humanos.“Métodos de criação, abate, conservação e preparação desempenham todos o seu papel.”

Animais confinados tendem a ter carne macia, assim como aqueles abatidos jovens e com estresse mínimo. A genética do gado faz sua parte: algumas raças são desenvolvidas para produzir indivíduos obesos, sedentários, cujos bifes exigem esforço mínimo de mastigação. Após o abate, ainda é possível amaciar a carne com a ação de enzimas que digerem as fibras musculares. É a chamada maturação − um processo de decomposição controlada, que exclui os micro-organismos causadores do apodrecimento.

O fator mais importante, porém, é a anatomia do animal. Os músculos menos exercitados são menos rijos. As pernas são usadas na locomoção; o pescoço e os ombros sustentam a cabeça. Evite essas partes e prefira as carnes do lombo, das costas e próximas à barriga do boi: picanha, filé, contrafilé, alcatra, maminha, fraldinha.

Outros dois atributos fundamentais para a carne grelhada são o sabor e a suculência. Ambos dependem do teor de gordura e da irrigação do tecido muscular. (Antes de prosseguir, uma pequena pausa para esclarecer um mito largamente difundido. líquido que escorre de um pedaço de carne malpassada não é sangue – este é totalmente drenado do animal no abatedouro. É mioglobina, proteína que transporta e estoca oxigênio nas células dos músculos.)

Uma peça de carne muito irrigada é mais suculenta porque, obviamente, tem mais umidade; a gordura, ao derreter com o calor, também protege o bife do ressecamento. Quanto ao sabor, há controvérsia. Alguns defendem que a gordura entremeada na fibra muscular define a melhor carne − esta é uma característica genética dos rebanhos de raças europeias, como angus e e hereford.

Assar no forno – Um forno é uma máquina de desidratar alimentos. O ar se aquece, se expande e sai do forno, levando consigo a umidade que evaporou da comida. A superfície do alimento, ressecada, tende a ficar crocante; as partes internas cozinham na medida em que a água represada nelas esquenta.

Do outro lado do ringue, estão aqueles que dizem que o verdadeiro sabor vem da irrigação muscular – a mioglobina, rica em ferro, é em grande parte responsável pelo gosto que relacionamos à carne de boi. Esse é um argumento usado pelos partidários do gado zebuíno, de matriz indiana, o mais difundido no Brasil. Em raças como nelore e gir, a gordura reveste os grupos musculares − não se deposita entre as fibras. Além disso, muitas vezes esses animais são criados em regime extensivo: por pastar livremente, alimentam-se de grama e se exercitam um tanto.

O sabor que a gordura aporta à carne está ligado à dieta do animal abatido.Na Espanha e em Portugal, valoriza-se muito o porco preto (em espanhol, cerdo ibérico), criado solto para alimentar-se de bolota − o fruto de árvores como o carvalho e o sobreiro − que cai no chão para deleite dos suínos. A gordura “temperada” de bolota é o segredo do sabor do jamón pata negra.

No caso do gado, o sabor da gordura depende do regime de criação. Animais confinados comem ração à base de cereais. Vem daí a principal crítica à carne dos Estados Unidos: ela é macia e suculenta, porém tem gosto do milho.No Uruguai, Argentina e sul do Brasil, costuma valer o regime misto para as raças europeias.Elas engordam no confinamento, mas também pastam para melhorar o sabor da carne.

O papel da mioglobina no sabor do churrasco bovino também é significativo. Só não dá para querer tudo: quando um músculo é muito irrigado, é porque demanda energia; quando demanda energia, é porque trabalha bastante; quando trabalha bastante, não é um campeão de maciez.

Existe uma forma de escapar do dilema sabor versus maciez: ela se chama picanha. Esse pedaço do boi tem uma ótima capa de gordura e é bem irrigado. Isso porque o grupo muscular da picanha é o mesmo do coxão duro. O coxão duro, como o nome já diz, fica na coxa e é rijo porque se exercita um bocado; a picanha, ponta desse músculo localizada nas nádegas, quase não se move − mas leva por tabela a cota de oxigênio destinada ao músculo inteiro.

Sous vide – De toda a pirotecnia criada pela gastronomia molecular, este é o principal sobrevivente. Em francês, a expressão significa “a vácuo”. Trata-se de embalar a comida em sacos plásticos vedados, sem ar, e cozinhá-la em temperatura controlada − geralmente baixa, na casa dos 50 ºC ou 60 ºC − por muitas horas. A técnica preserva a umidade do alimento e dá ao cozinheiro controle total sobre sua textura.

Antes que você saia correndo para o açougue, duas dicas:

1) compre sempre a peça inteira, pois a picanha fatiada é muito parecida com o coxão duro fatiado;

2) leve uma picanha pequena. A picanha raramente ultrapassa 1,2 quilo − quem adquire uma peça de 5 quilos põe na sacola quase 4 quilos de coxão duro. Agora que você tem uma bela picanha em mãos, vamos acender a churrasqueira.

DOMINAR A CHURRASQUEIRA

Antes de começar, escolha o combustível. Argentinos e uruguaios vão dizer que madeira é melhor do que carvão.Alguns cozinheiros mais radicais − americanos, geralmente − irão mais longe ao alegar que cada tipo de lenha transmite um aroma específico. O pinho, com sua resina, arruinaria qualquer bife; a macieira, por sua vez, goza de boa reputação. Nathan Myhrvold, autor de Modernist Cuisine, diz que tudo isso é bobagem.

“Carbono é carbono”, escreve. “Quando ele queima, não transmite nenhum sabor próprio à comida.” O manual do bom churrasqueiro manda esperar o combustível − madeira ou carvão − queimar até que as chamas se apaguem, sobrando apenas a brasa incandescente. “Qualquer composto aromático se vaporizou e foi destruído muito antes da comida ir para a grelha.”

O tempo de espera varia de 45 minutos a uma hora, a depender da quantidade de carvão, do tipo de churrasqueira e de fatores externos, como o vento. A brasa chegará ao ponto quando estiver revestida por uma camada de cinzas. Controlar a intensidade do calor é o verdadeiro desafio. Mover a grelha na vertical só faz diferença em churrasqueiras grandes, de alvenaria − o nível de radiação absorvido pela comida é praticamente o mesmo se a grelha estiver junto às brasas ou a meio metro delas.

Alguns modelos portáteis possuem um respiro inferior que, ao ser aberto, alimenta a brasa com oxigênio e aumenta a temperatura; ao ser fechado, sufoca a combustão. Na maioria das vezes, a paciência é o único remédio: se o calor está forte demais, resta esperar até ele arrefecer; se está muito fraco, ponha mais carvão e espere novamente até o fogo sumir.

Micro-ondas – As micro-ondas são ondas de frequência menor que as de rádio e maior que as da luz visível. Elas agitam as moléculas de água e de gordura presentes na comida, e é esse movimento que aquece e cozinha o alimento. Como é de se esperar, o método funciona melhor com comidas úmidas e gordurosas.

O chef argentino Francis Mallmann, em seu livro Sete Fogos, ensina um método muito simples para avaliar a temperatura de um braseiro. “Coloque a mão acima dos carvões, mais ou menos à mesma distânciada superfície de cocção, e conte em voz alta: um, dois etc. ”, diz. O tempo que você suportar o calor vai indicar a intensidade dele: forte (dois segundos), médio-forte (três a quatro segundos), médio (cinco a seis segundos) e fraco (sete a oito segundos). Sim, o argentino supõe que você esteja disposto a queimar a mão antes de colocar a carne na grelha.

Científico? De jeito nenhum. O autor – filho de um físico nuclear – admite que se trata de um quebra-galho para o churrasqueiro novato, que ainda não aprendeu a entender intuitivamente o que a brasa diz. Mallmann faz churrasco desde a infância e começou a trabalhar como cozinheiro aos 14 anos.

Ele não escreve isso em seus livros, mas certamente errou muito antes de pegar o jeito. Porque churrasco não tem nada de exato. Porque a experiência molda o bom churrasqueiro. Até adquiri-la, você vai queimar a própria mão e torrar muitos bifes − como a humanidade vem fazendo nos últimos 2 milhões de anos.


Fonte: https://super.abril.com.br/especiais/churrasco-nao-e-tecnologia-e-feiticaria/